[CRÔNICA] CASA DE VÓ

 

Eu sempre esperava pela muda de roupa nova. Sendo natal, certamente viria alguma coisa vermelha: blusa, sapato ou, quem sabe, um vestido. Tinha certeza que a roupa seria linda, o que quer que fosse. Era um costume nosso, vestir roupa nova no natal.

Mas não era só isso. A roupa era apenas um detalhe. Dias antes da véspera de natal, a noite mais importante do ano, havia muitos preparativos a serem feitos. Da comida à decoração da casa, nada era esquecido, e tudo era feito com o carinho que só encontramos em casa de vó.

A árvore de natal era a mais linda de todas, todos os anos. Mesmo as árvores que eram montadas nos shoppings não tinham aquela beleza, apesar da grandiosidade. A nossa árvore era única, no sentido mais especial desta palavra. Continha o talento e o amor do meu tio, que a decorava com muito esmero. Havia quem desse pitacos, mas todos sabiam que a nossa árvore era linda porque era decorada por ele.

Eu me divertia a valer fazendo compras. Ia com a minha avó comprar as comidas e era sempre um luxo voltar do mercado de carro alugado. Era uma época de muita fartura de comida e de gente na mesa. Mas as compras com meu avô eram ainda melhores. Íamos até um depósito de bebidas comprar dezenas e dezenas de litros de refrigerante. Ele sempre levava um carrinho de obra: na ida, eu era confortavelmente levada até o depósito nesse transporte alternativo. Já na volta, vinha caminhando ao lado dele, me certificando que os refrigerantes chegariam em segurança em casa.

Na casa da minha avó tinha um freezer desses de bar que só era ligado no finzinho do ano. Ficava pasma de tanta comida e bebida que ela colocava lá, parecia que o natal ia ser um festão para duzentas pessoas! Na verdade, aquilo nem era tanto um exagero: a comemoração era para a família, sim, mas também para quem passasse por lá para desejar um feliz natal.

As comidas eram um capítulo a parte: a maioria, preparada no dia 24 mesmo, mas tinha coisa que precisava começar a ser feita um ou dois dias antes. E tinha de tudo! Bacalhoada, peru assado, tender bolinha, farofa, arroz temperado, pastel, rabanada, panetone, frutas diversas, pudim… Isso lembrando apenas daquilo que eu mais gostava. Apesar de tantas delícias, a festa tinha hora certa para começar. Era uma lei da nossa ceia comer apenas depois da meia noite.

(Obviamente os netos não seguiam rigorosamente essa lei, então podiam beliscar).

Meu avô sempre comprava um punhadinho de nozes, era coisa chique! A gente se divertia com as várias maneiras que ele encontrava de abrir aquela bolinha tão dura. Ninguém admitia, é claro, mas a verdade é que nenhum de nós realmente gostava de comer aquilo. A diversão mesmo era vê-lo quebrar as nozes e brincar com o que sobrava delas depois.

O dia 24 era animado. Na cozinha as panelas iam se acumulando na pia à medida que a mesa ia ficando sem lugar para tanta coisa boa. No quarto, um sem fim de gente se embelezando, todo mundo querendo ficar bacana em sua roupa nova. Minha avó acabava ficando por último, mas acho que não se importava com isso. Sua casa estava linda, perfumada de delícias e de gente feliz. Acredito que era motivo suficiente para que ela se sentisse bem-aventurada.

Sobrava algum tempo até para brincarmos de vítima, detetive e assassino. Ainda que as crianças não conseguissem levar a atuação na seriedade (por crianças, leia-se eu!), era divertido vigiar os olhares em busca do vilão ou tentar saber quem era o homem da lei.

 

***

 

 

Eu gostava de ser das últimas na fila do banho. Minha avó era sempre a última. Minhas tias se embelezavam primeiro e iam para o portão. Quem tomasse banho depois do meu avô precisaria esperar pelo menos uns dez minutos para não se intoxicar com o perfume que ele deixava no banheiro. Assim, um após o outro, cada um ia se arrumando para a nossa celebração.

A gente sabia que Papai Noel era coisa de enfeite. Era só ir ao shopping, sempre tinha um lá para tirar foto com quem quisesse. Mesmo no supermercado, se fosse pertinho do natal, era capaz de ele estar por lá, mostrando as ofertas. Mas na véspera de natal era diferente, a gente ficava em dúvida. Sempre tinha um Papai Noel que passava em nossa rua à noite, fazendo a alegria das crianças. Esse tipo de Papel Noel, eu percebi mais tarde, era alguém que conseguia estar em vários lugares ao mesmo tempo porque havia quem se esforçasse para realizar essa celebração. É como um aniversário que não pode passar em branco de jeito nenhum. Alguns cozinham, outros enfeitam… Todo mundo trabalha para manter o espírito do natal vivo e confraternizar. O natal tem algo de mágico, é especial. Ninguém pode dizer o contrário.

Próximo da meia noite, a minha avó sempre se fechava no quarto, para fazer uma oração. Sempre que possível, quando eu não me distraía com alguém ou alguma coisa na varanda, eu entrava no quarto com ela. Não vou mentir, eu ficava tão ansiosa pela nossa ceia de natal que não conseguia pensar em nada, simplesmente desaprendia a orar. Mas eu ajoelhava ao lado dela na cama, baixava a cabeça e fechava os olhos. Ela orava e o meu coração mal cabia no peito de expectativa. Aqueles segundos antecediam a celebração a qual eu esperava o ano inteiro para acontecer e tinha que me esforçar para conseguir permanecer acordada. Não conseguia orar, mas Deus sabe o quanto eu era grata por estar ali, com todo mundo. Talvez a oração da minha avó dissesse exatamente o que eu estava sentindo, mas não tinha como saber. Ela era silenciosa, eu só ouviria o seu amém. Eu esperava ansiosa por essa palavra.

O amém significava que a festa já podia começar.

0 0 votes
Article Rating
Subscribe
Notify of
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
Ver todos os comentários
0
Queremos saber a sua opinião, deixe um comentário!x