[RESENHA] O QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ

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Sinopse: ” Lançado originalmente em 1930, O Quinze foi o primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz. Ao narrar as histórias de Conceição, Vicente e a saga do vaqueiro Chico Bento e sua família, Rachel expõe de maneira única e original o drama causado pela história da seca de 1915, que assolou o Nordeste brasileiro, sem perder de vista os dilemas humanos universais, que fazem desse livro um clássico de nossa literatura.”

 

Em O Quinze, Rachel de Queiroz narra o drama da seca no Ceará, especificamente a seca de 1915. Foi o primeiro romance da autora, publicado originalmente em 1930, quando ela ainda não havia completado 20 anos.

A história mostra diferentes pontos de vista sobre a seca, pois cada personagem tem o seu drama particular, embora haja certa conexão entre eles. Sendo um livro pequeno, minha edição tem 160 páginas, não vou me alongar sobre as características de todos os personagens, evitando, assim, que esta resenha seja um grande spoiler. Falarei daqueles que mais me marcaram e de determinados pontos de suas histórias.

 

Chico Bento e sua família

O núcleo mais marcante do romance, certamente, é o de Chico Bento e sua família. Eles representam o povo que passou fome nas secas do nordeste. Perderam tudo, pois não havia criação ou plantação que sobrevivesse a falta de chuva. Como muitos, Chico Bento só podia arribar; sair em busca de qualquer coisa em outro lugar. Inicialmente, pensou em ir para a Amazônia, por fim, acabou indo para São Paulo. Sua Jornada inclui fome, morte e desespero. Imagine sair em busca de não se sabe o quê em cima apenas dos próprios pés! Caminhou com rumo incerto, como tantos antes e depois dele fizeram. Viveu com a família em um Campo de Concentração, comendo a ração dada pelo governo, até finalmente conseguir ir em busca do seu destino. É um retrato perfeito do pobre sertanejo feito por Rachel de Queiroz; praticamente uma transcrição da realidade para as páginas do livro.

 

Ilustração de Shiko para a obra de Rachel de Queiroz (Divulgação)
Ilustração de Shiko para a obra de Rachel de Queiroz (Divulgação)

 

“Caindo quase de joelhos, com os olhos vermelhos cheios de lágrimas que lhe corriam pela face áspera, suplicou de mãos juntas:

 – Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho ao menos, que dê um caldo para a mulher mais os meninos! Foi para eles que eu matei! Já caíram com a fome!…

(…)

E o homem disse afinal, num gesto brusco, arrancando as tripas da criação e atirando-as para o vaqueiro:

– Tome! Só se for isto! A um diabo que faz uma desgraça como você fez, dar-se tripas é até demais!…

A faca brilhava no chão, ainda ensanguentada, e atraiu os olhos de Chico Bento.

Veio-lhe um ímpeto de brandi-la e ir disputar a presa; mas foi ímpeto confuso e rápido. Ao gesto de estender a mão, faltou-lhe o ânimo.

O homem, sem se importar com o sangue, pusera no ombro o animal sumariamente envolvido no couro e marchava para casa, cujo telhado vermelhava, lá além.” (p. 72 e 73)

 

A professora Conceição

Conceição foi outra personagem que me marcou. Embora não tenha passado pelas situações extremas que Chico Bento e sua família passaram, ela era uma mulher a frente de seu tempo e não deixou de ter seus sofrimentos, ainda que vivendo uma vida mais confortável. Professora, solteira, amante dos livros e apaixonada pelo primo Vicente, nunca conseguiu dar o próximo passo em direção ao altar, como o esperado por todos. Seu medo de não ser capaz de lidar com as diferenças que existiam entre ela e o primo, para mim, foi uma atitude corajosa. Inserida em uma sociedade patriarcal em que o papel da mulher era ser esposa, Conceição escolheu ser ela mesma, temendo não poder exercer os dois papéis.

 

“Dona Inácia tomou o volume das mãos da neta e olhou o título:

– E esses livros prestam para moça ler, Conceição? No meu tempo, moça só lia romance que o padre mandava…

Conceição riu de novo:

 – Isso não é romance, Mãe Nácia. Você não está vendo? É um livro sério, de estudo…

 – De que trata? Você sabe que eu não entendo francês…

Conceição, ante aquela ouvinte inesperada, tentou fazer uma síntese do tema da obra, procurando ingenuamente encaminhar a avó para suas tais ideias:

 – Trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos materiais, do problema…

 – E minha filha, para que uma moça precisa saber disso? Você quererá ser doutora, dar para escrever livros?

Novamente o riso da moça soou:

 – Qual quê, Mãe Nácia! Leio para aprender, para me documentar…

 – E só para isso, você vive queimando os olhos emagrecendo, lendo essas tolices…

 – Mãe Nácia, quando a gente renuncia a certas obrigações, casa, filhos, família, tem que arranjar outras coisas com que se preocupe… Senão a vida fica vazia demais…

 – E para que você torceu sua natureza? Por que não casa?

Conceição olhou a avó de revés, maliciosa:

 – Nunca achei quem valesse a pena…” (p.130 e 131)

 

Eu já havia lido sobre as inúmeras secas no nordeste, mas a leitura desse livro contribuiu para que eu me aproximasse um pouco mais do sofrimento daquele povo. Vi que os campos de concentração realmente existiram; eram conhecidos como currais do governo e neles morriam cerca de 150 pessoas diariamente. Rachel de Queiroz inspirou-se no campo da cidade de Alagadiço, no Ceará, onde cerca de oito mil pessoas recebiam um auxílio do governo e eram vigiadas por soldados. A família de Chico Bento, como disse anteriormente, representou os milhares de brasileiros que iam perdendo os seus filhos para a miséria. As verbas do governo destinadas às regiões assoladas pela seca eram sistematicamente desviadas para suprir necessidades dos mais abastados, o que ficou conhecido como indústria da seca.

Ler O Quinze é importante para conhecermos a nossa história, a história do nosso país. Rachel de Queiroz conseguiu, em poucas páginas, eternizar a história de um povo que passou muito tempo esquecido pelo poder público e pelos próprios brasileiros. Leitura indispensável!

 

 

Título: O Quinze
Autora: Rachel de Queiroz
Editora: José Olympio
Páginas: 160

Compre na Amazon: O Quinze

 

 

Referências e leituras complementares:

Brasil Escola: secas no nordeste.

G1: cem anos da seca de 1915.

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[…] Irmãs me remeteu fortemente aO Quinze, de Rachel de Queiroz, quando, lá pelo capítulo 9, mostrou um dos campos de concentração […]

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[…] Rachel de Queiroz é um dos nomes da literatura nacional que dispensa apresentações. Basta dizer que foi a primeira mulher a alcançar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, infelizmente para a história da instituição, apenas em 1977. Também foi a primeira escritora a receber o Prêmio Camões, em 1993, e, nesse caso, antecipando-se a ninguém menos que José Saramago, que o receberia dois anos mais tarde. Mas se você quiser saber mais sobre a autora de O Quinze, neste blog você encontrará mais aqui e aqui. […]

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