[RESENHA] MENINOS SEM PÁTRIA, DE LUIZ PUNTEL

Sinopse: “Marcão e Ricardo vivem na pequena cidade de Canaviápolis com a mãe, que está grávida, e com o pai, que é jornalista. Durante uma partida decisiva de futebol de botão o pai dos meninos chega em casa apavorado, contando que arrombaram a redação do jornal onde trabalha. Alguns dias depois, a família começa a receber ameaças pelo telefone e na rua. O jornalista e a mulher ficam preocupados, até que um dia o pai de Marcos desaparece. Com a ajuda de freiras, eles descobrem que o pai está na Bolívia e começam então uma verdadeira jornada no exílio, passando pelo Chile e pela França. Marcão e seus irmãos vão viver as aventuras da infância e da juventude longe de casa, durante o período do regime militar no Brasil. Sob a perspectiva do garoto, os leitores das novas gerações aprenderão sobre a história recente do país neste clássico de Luiz Puntel da série Vaga-Lume.”

 

Neste instante em que os meus dedos tocam as teclas do teclado do computador para iniciar mais uma resenha, tenho ainda meus olhos marejados e a garganta em nó por finalizar a leitura de Meninos sem pátria, de Luiz Puntel, livro integrante da série que apresentou o mundo dos livros a muitos alunos de escolas públicas: a série Vagalume.

Pensando em escolas públicas, eu, que tive minha formação majoritariamente feita em escolas estaduais, uma pequena parte em Minas Gerais e o segundo segmento do ensino fundamental e todo o ensino médio no estado do Rio de Janeiro, não posso ter outra conclusão que não seja o quanto o ensino que eu tive da história do Brasil foi falho ou praticamente inexistente, em detrimento das conquistas, sobretudo europeias.

Não culpo minhas professoras ou os livros didáticos adotados por elas, tenho certeza (hoje mais do que nunca, como estudante de licenciatura) de que elas fizeram o possível dentro do programa que tinham de seguir, com os recursos disponíveis e com o tempo que dispunham para nos ensinar. Mas uma coisa é certa: eu não aprendi muita coisa sobre a história recente do Brasil na escola. Tampouco acho que os alunos de hoje (terminei o ensino médio em 2006) estejam aprendendo.

Há bastante tempo tenho consciência de que a ditadura não foi uma coisa boa. Ditaduras não são boas em época alguma, em lugar nenhum, diga-se de passagem. Mas eu sei que a ditadura aqui no Brasil matou muita gente inocente, e que a pecha de subversivo era posta em gente que, simplesmente, não tinha o corte de cabelo adequado ou andava de sapato de sem meias, por exemplo. Não era só bandido que era preso ou torturado. É um pensamento muito reducionista achar que, por não conhecer alguém que foi torturado ou que gente boa não tinha o que temer , simplesmente a ditadura não tenha sido tão ruim assim, ou talvez tenha sido apenas uma revolução com a finalidade de espantar a ameaça comunista. A prova de que não estudamos o suficiente da nossa história recente é que ainda existem pessoas com medo da ameaça comunista até hoje, em pleno 2018.

Da ditadura, em meus anos escolares ou de estudos para o vestibular, lembro apenas de alguns nomes, do AI5, algumas mortes, como a do jornalista Vladmir Herzog (citado no livro de Luiz Puntel), mas quase nada sobre as famílias dessas pessoas, do porquê do exílio e de que o exílio não era uma turnê pela Europa, não eram férias de luxo.

Meninos sem pátria, livro que acabei de ler, preencheu essa lacuna perfeitamente. Mas é ficção, você pode estar pensando aí, revirando os olhos. É ficção, mas com os pés cravadíssimos na realidade do período dos governos militares no Brasil (1964-1985). Com um adendo de luxo que os livros de história nem sempre conseguem ter: a ficção desperta a empatia, nos envolve na história de pessoas inventadas, mas que representam pessoas reais. Não a toa, terminei a leitura entre lágrimas…

O livro conta história da família de um jornalista da cidade de Canaviápolis. Um jornalista subversivo, que denunciava os abusos policiais e, por esta razão, teve seu jornal depredado e logo teve de buscar asilo político em outro país com sua família. Passaram pela Bolívia, Chile (que logo se tornaria também uma ditadura) e por fim, conseguiram alguns anos relativamente estáveis na França. Relativamente porque Zé Maria não parou de denunciar os abusos e as mortes do governo militar no exílio. Na França, ele passou a escrever para o jornal Le Monde.

 

Sendo o livro voltado para jovens, quem narra o período de fuga e medo é Marcão, o filho mais velho de Zé Maria e Tererê, irmão de Ricardo, Pablo (nascido no Chile) e de Nicole (nascida na França). E pelos olhos de um menino que teve a adolescência marcada pelo exílio, tentando entender o que era ser um menino sem pátria, vivendo entre línguas e culturas diversas de sua nativa, Meninos sem pátria é uma aprendizado fenomenal sobre a ditadura em suas 127 páginas, mais eficaz que muito manual de decoreba de nomes, datas e atos institucionais que nem sempre compreendemos quando temos a idade de Marcão e precisamos estudar e muitas vezes as informações só descem goela abaixo e viram apenas nomes esparsos em nossa memória.

Não li Meninos sem pátria na época do colégio (se eu tivesse lido uma releitura certamente me faria lembrar) apesar de ter sido uma devoradora da série Vagalume, fundamental no meu gosto pela leitura em uma época que eu tinha pouquíssimos livros em casa e que a biblioteca do Colégio Estadual Rotary era a minha principal fonte de leitura. Interessei-me pela leitura neste momento, não vou negar, após a notícia de que um colégio carioca teve o livro censurado, sob acusação, por parte dos pais dos alunos, de doutrinação comunista. Acredite: a palavra comunismo não é sequer mencionada. O livro é sobre ditadura, e ditaduras são ruins, não importa de onde venham. Ou não são? Falar sobre a ditadura é ser comunista? O que será que essas pessoas entendem por comunismo?

Talvez esses pais não tenham estudado o suficiente, ou realmente temam uma invasão comunista, do alto de seus smartphones e de suas fontes extremamente confiáveis no whatsapp.

 

“— Mas, como vocês sabem, estamos proibidos de pisar o solo brasileiro. Muitos de nós, para ser franco, acho que nunca comemoramos o 7 de Setembro. Muitos de nós temos vivido sempre fugindo de país em país, como se fossemos bandidos perigosos. Por isso, quero agradecer a Monsieur Fauré a oportunidade que ele nos deu, de aprendermos, com esta atividade, muitas coisas sobre o nosso país, sobre a nossa pátria.

Nessa hora, sem que eu pedisse, o pessoal irrompeu em uma vigorosa salva de palmas. Monsieur Fauré levantou-se e agradeceu de onde estava.

— E estamos fugindo, simplesmente porque nossos pais não concordam com o que está acontecendo no Brasil. Por isso, muitos de nós já se acostumaram à ideia de sermos chamados de meninos sem pátria. Sinceramente, nós não sabemos se vamos um dia voltar ao Brasil. Mas, se voltarmos, seja amanhã, depois, daqui a dois ou três anos, sei lá, nós somos muito gratos a vocês. Gratos pela hospitalidade, pelo carinho, pela amizade.

Nova salva de palmas espocou entre o pessoal.

— E, para terminar — eu pedia silêncio —, quero chamar aqui em cima do palco todos os brasileiros para cantarmos nosso Hino Nacional. E que este nosso canto seja não só um grito pela liberdade, para que pessoas nunca mais precisem abandonar seus países por pensarem de modo diferente, mas que seja também a maneira de expressarmos o nosso agradecimento à acolhida de vocês.

Quando terminei de falar, o pessoal já em cima do palco e o hino começando, eu não acreditava que tivesse falado tudo aquilo. Falara sem medo, sem gaguejar, com coragem, muita coragem.” (ps. 114 e 115)

 

 

Para que não fiquem dúvidas: leiam esse livro, recomendo muito. É uma leitura rápida, com um texto simples (especialmente pelo público ao qual ele é direcionado), mas nem por isso deixa de ser um grande aprendizado, uma valiosa lição, com a leveza sempre agradável que encontramos na literatura infantojuvenil.

 

Título: Meninos sem pátria

Autor: Luiz Puntel

Páginas: 128

Editora: Ática

Compre na Amazon: Meninos sem pátria.


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