[RESENHA] O CASAMENTO, DE NELSON RODRIGUES

 

Sinopse: “A apenas um dia do casamento de Glorinha e Teófilo, o médico da noiva avisa ao pai dela que seu futuro genro foi flagrado em um incidente homossexual. Esse é o ponto de partida para Nelson Rodrigues desfilar sua genialidade irônica e o humor negro tão característicos de sua narrativa. Escrito por encomenda para Carlos Lacerda, ”O casamento”, único romance de Nelson, foi publicado em 1966 e alcançou sucesso extraordinário em poucas semanas. O autor já se preparava para uma brilhante carreira nas livrarias quando foi tomado de surpresa pela notícia da morte de Mário Filho poucos dias após o lançamento do livro. Antes que pudesse se recuperar da perda de seu irmão, o romance foi proibido pelo ministro da Justiça do governo de Castello Branco, tendo sido considerado subversivo e indecoroso.”

 

Certa vez resolvi ler A vida como ela é, de Nelson Rodrigues (1912-1980), mas a leitura não rendeu muita coisa. Mal cheguei à página 100. O autor pareceu muito politicamente incorreto para mim, e por politicamente incorreto entenda extremamente machista e um pouco homofóbico. Mal sabia eu que, pouco tempo depois, ficaria vidrada, presa até a última página, em seu romance O Casamento.

O Casamento foi o livro do mês de agosto/2016 enviado pela TAG- Experiências Literárias, indicação da Heloísa Seixas. Resolvi, como recomendado pela curadora, deixar o preconceito de lado e embarcar na leitura. Fiquei surpresa por ter gostado tanto do livro! Tanto que agora vou pensar um pouco mais antes de dizer que não leio de jeito nenhum determinado autor.

“Leia sem preconceito. Todo gênero é único. É criador, é inventor, não segue padrões existentes e por isso não se enquadra em escaninhos. Nelson é livre. E é preciso ser livre para lê-lo.” (Heloísa Seixas, para os associados da TAG)

 

O romance conta a história de Sabino Uchoa Maranhão e sua família. Ele é um bem sucedido empresário carioca e está às vésperas de casar a sua filha mais nova (e favorita), Glorinha. Tudo seguia conforme o planejado quando o ginecologista de Glorinha, Dr. Camarinha, faz uma revelação bombástica ao pai da moça: o médico teria surpreendido o genro de Sabino, Teófilo, aos beijos com o seu assistente, Zé Honório, chegando ao seu consultório. A partir daí, Sabino precisa descobrir o que fazer com essa informação, mas uma coisa era certa: cancelar o casamento estaria fora de questão.

“Afinal de contas, o casamento já é indissolúvel na véspera.” (p. 26)

 

Pensamos que o grande problema da história é a pederastia (sim, o autor usa esse termo) de Teófilo, mas há muito mais sujeira debaixo do tapete de Sabino e sua família.

Polêmico e publicado na década de sessenta, O Casamento foi censurado pela ditadura militar menos de dois meses depois de seu lançamento. O romance é uma leitura ágil, crua e totalmente despudorada. Nelson Rodrigues não usa  meias palavras em sua história. Aqui são expostos temas como machismo, incesto e homofobia de forma bastante escrachada. Escrito em capítulos curtos, dificilmente alguém demora mais de três dias para terminar essa leitura, a não ser os leitores que se incomodem em demasia com a trama.

 

O kit de agosto da TAG - Experiências Literárias: a trufa de chocolate foi apreciada antes da leitura!
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Durante a leitura senti uma incômoda semelhança entre a sociedade da década de 1960 e a nossa. Obviamente o texto de Nelson Rodrigues faria muito barulho se fosse publicado hoje, pois ele não é do tipo que se esconde atrás da cortina do politicamente correto. A família de Sabino, a sociedade a qual ela pertence, lembra muito certa camada da sociedade brasileira que impõe regras, modos de conduta, mas que esconde, ao mesmo tempo, bastante sujeira debaixo de seus tapetes também. Sabino era um homem de bem. Quem fizer a leitura poderá tirar as próprias conclusões.

Outro ponto interessante relacionado ao tempo que estamos vivendo é o fato de o jornal O Globo e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade apoiarem a ditadura na censura do livro, ainda que o autor fosse, na época, colunista do jornal. Um suplemento no final da história, na edição da Nova Fronteira, fala bastante sobre o caso.

O Casamento foi uma grata surpresa para mim: eu jamais compraria esse livro se o visse em uma livraria. Conhecendo previamente o autor, me incomodava demais o machismo em sua escrita, mas aqui, muitas passagens encarei com humor. É ficção. Claro que com boas e generosas pitadas da realidade da nossa sociedade. Mas, ainda assim, é ficção, não verdades absolutas. Afinal, qual o melhor lugar para explorar certos assuntos senão em um livro? O Casamento é uma leitura que pode ser perturbadora, mas que merece ser feita, especialmente por aqueles que admiram uma história bem escrita.

 

 

 

Título: O Casamento
Autor: Nelson Rodrigues
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 272

 

Compre na Amazon: O Casamento.

Falei sobre a minha primeira caixinha da TAG aqui.

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Hilário Francisconi
7 de novembro de 2016 17:41

Gostei de sua crítica a “O casamento”, de Nelson Rodrigues. Também apoio a ideia de que no universo da literatura não deve haver espaço para astros censores. Certo é que nestes dias de novo século a censura, outrora arrogante, deu-se por vencida e reverencia, aos pés da cultura, as obras de arte em todos os seus gêneros. Um abraço!
Hilário Francisconi.

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