[RESENHA] PORNÔ CHIC, DE HILDA HILST

Sinopse: “Edição ilustrada reúne os quatro livros obscenos da poeta, incluindo um texto inédito e crítica de Humberto Werneck, Alcir Pécora, João Adolfo Hansen, Jorge Coli, Eliane Robert de Moraes e entrevista a Caio Fernando Abreu. Em 1990, Hilda Hilst completava 60 anos, 40 deles dedicados à literatura. Insatisfeita com a publicação de seus livros em pequenas tiragens, o silêncio da crítica e a repercussão restrita, a poeta decidiu escrever “adoráveis bandalheiras”. A experiência deu origem à Trilogia Obscena formada por “O caderno rosa de Lori Lamby”, “Contos d’escárnio – textos grotescos”, “Cartas de um sedutor” e ao livro de poemas “Bufólicas”. Pornô chic reúne os quatro títulos, ilustrados, traz o inédito Fragmento pornográfico rural e fortuna crítica que aborda a polêmica fase erótica de Hilst.”O caderno rosa de Lori Lamby” e “Bufólicas” recuperam as ilustrações de Millôr Fernandes e Jaguar para as primeiras edições. Para ilustrar “Contos d’escárnio” e “Cartas de um sedutor” foram convidadas Laura Teixeira e Veridiana Scarpelli, que apresentaram uma abordagem contemporânea ao pornô de Hilst. Considerados pela autora uma “experiência radical e divertida”, estes livros misturam humor, críticas à sociedade, todo tipo de práticas sexuais e referências a autores célebres pelo erotismo como Henry Miller e Georges Bataille. A leitura de Pornô Chic revela o quanto Hilst pode ser irônica, debochada e divertida sem perder o refinamento. Se “O caderno rosa de Lori Lamby” parece obsceno ao apresentar uma menina de oito anos relatando suas experiências sexuais, a autora surpreende os leitores com seu desfecho. “Cartas de um sedutor” narra o cotidiano de um homem rico, amoral e culto, que diante de sua incompreensão da vida recorre ao sexo em busca de respostas. “Contos d’escárnio” é uma reunião de textos satíricos, em que a sexualidade é matéria de reflexões imprevisíveis. “Bufólicas” é um livro de “fábulas safadas” concluídas com uma “moral da estória”. A fortuna crítica apresenta um texto inédito do professor de História da Arte e da História da Cultura da Unicamp Jorge Coli, e inclui textos de especialistas na obra de Hilst, como a professora do departamento de Literatura Brasileira da FFLCH-USP Eliane Robert de Moraes, e o professor de Teoria Literária da Unicamp Alcir Pécora – que organizou as obras completas de Hilst para a Globo Livros. Além disso, a edição recupera textos publicados na imprensa nos anos 1990, como um perfil da autora feito pelo jornalista Humberto Werneck e uma entrevista da poeta ao amigo e escritor Caio Fernando Abreu. O ciclo pornográfico de Hilst fez com que a escritora deixasse de ser considerada apenas uma autora sofisticada e lhe trouxe a fama de maldita – mas seu objetivo foi alcançado e sua obra atingiu um público maior. Aos 60 anos, ela expressou surpresa diante das críticas moralistas à suas bandalheiras: “A sexualidade pode ser adorável, perversa ou divertida, mas eu acho que o ato de pensar excita muito mais do que uma simples relação sexual. A mim pelo menos, há muitos anos é assim”.”

 

Apesar de não ser um gênero que atualmente eu leia muito, já li uma boa quantidade de Sabrinas, Julias… (insira um nome feminino qualquer aqui que estampou a capa de algum romance de banca de jornal). Além disso, não passei incólume à febre literária capitaneada por Cinquenta tons de cinza, que levou o estilo erótico soft porn para as prateleiras das livrarias e que ainda mantém a temperatura de alguns leitores lá nas alturas.

Mas Pornô Chic, coletânea dos livros eróticos de Hilda Hilst, é totalmente diferente de qualquer coisa que eu já tenha lido (e talvez ainda vá ler). Sabe aquele livro que você não sabe bem definir se gostou ou não logo depois de ler? É esse da Hilda Hilst.

Acontece que Pornô Chic é um ótimo livro. Se você gosta de literatura erótica e ainda não leu, leia assim que possível. Mas os livros que compõem a fase obcena de Hilst não são como os que comumente lemos como pornografia, como os citados acima. São textos (prosa e poesia) que exploram temas como incesto e pedofilia, e também prostituição e uma sexualidade despudorada, tudo isso com um refinamento ímpar de escrita, bom humor e brasilidade.

Confesso que, durante a leitura de O caderno rosa de Lori Lamby (1990), que abre a edição da Biblioteza Azul, eu senti um incômodo tão grande que pensei que não avançaria para os outros livros da coletânea, Contos d’Escárnio – Textos Grotescos (1990), Cartas de um sedutor (1991), Bufólicas (1992) e outros textos esparsos reunidos para essa edição. Hoje fala-se muito em causar; Hilda Hilst já fazia isso lá em 1990, antes mesmo do boom da internet e das redes sociais, ao lançar um livro em que a narradora, uma menina de oito anos, fala sobre as suas aventuras sexuais com homens mais velhos, atividade que lhe rendia mais dinheiro que os livros que seu pai escrevia. Lori nos conta que o editor de seu pai recomenda que ele parta para a bandalheira; bandalheira vende! Era Hilda Hilst criticando o mercado editorial brasileiro. A escritora sofreu com essa falta de leitores; por quase toda a vida foi publicada apenas em pequenas tiragens e por editoras independentes. Resolveu partir para a bandalheira para ser lida, mas não de forma comercial como muitos escritores. Hilda, que nunca teve medo das críticas, se jogou em uma literatura que explora o que temos de mais íntimo e grotesco.



Uma das coisas mais geniais deste livro é que, comparando com cenas de sexo de outros livros pretensamente eróticos, aqui temos sexo de verdade. A autora não usou artifícios de linguagem hoje repetidos quase a exaustão, como diversos eufemismos para os órgãos sexuais, cheiros irreais para o órgão sexual feminino, o leve conservadorismo travestido de libertinagem amplamente difundido (na atualidade) depois de Cinquenta Tons de Cinza e reproduzido por autoras de livros eróticos e romances de época mais ao estilo hot. Em Pornô Chic todos transam, ninguém precisa ensinar ninguém, com exceção, talvez, de O caderno de Lori Lamby. Também gostei das várias referências que Hilda fez a autores clássicos, grande parte ingleses, nos diálogos de seus personagens.

Pornô Chic foi um susto, um acontecimento literário na minha vida de leitora. Algo que vou ler e reler para entender (e me divertir, óbvio) e essa edição da Biblioteca Azul é perfeita, tanto na parte estética quanto no conteúdo. O livro é ilustrado (!) e conta com valiosos textos de apoio. Eu já era fã de Hilda Hilst por sua poesia, que foi outra experiência literária muito gratificante para mim. E agora tenho Pornô Chic: meu mais novo pornô de cabeceira.

Aprecie com moderação. Ou não.

 

 

 

 

 

Título: Pornô Chic

Autora: Hilda Hilst

Editora: Biblioteca Azul

Páginas: 276

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